Grupo tem recebido menos doses em comparação a outros dessa mesma lista

O histórico de vulnerabilidade social dos povos indígenas faz com que essa classe se torne extremamente exposta contra a Covid-19. No entanto, o Brasil não tem seguido seu próprio protocolo, que definia suas prioridades centrais:

  • Pessoas com 60 anos ou mais
  • Pessoas com deficiência
  • Povos indígenas vivendo em terras indígenas

Quer entender como esse processo está se desenvolvendo por aqui? Continue no nosso artigo.

Uma prioridade histórica

Imagem de G1

Assim como em diversos outros países ao redor do mundo, as populações originárias nacionais sofreram diversas perseguições que culminaram em desamparo governamental e outras fragilidades comunitárias. Consequentemente, situações como a pandemia causado pelo coronavírus realçam esses pontos, e fazem com que entidades representativas entrem em ação em busca de equilibrar essa balança.

Em entrevista cedida ao Instituto Socioambiental (ISA), o cientista Andrey Moreira Cardoso, membro do grupo de pesquisa “saúde, epidemiologia e antropologia dos povos indígenas”, da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), explicou sobre essa carência. Segundo ele, “(…) [os indígenas] têm uma vulnerabilidade maior do ponto de vista epidemiológico”.

E continua: “(…) há vários estudos internacionais comparando a situação dos povos indígenas em diferentes regiões do mundo, mostrando que eles estão sempre em desvantagem econômica, social e de saúde em relação a outros grupos nas mesmas localidades. Isso é uma realidade também no Brasil. A situação é variável dependendo da região. O que temos visto nos estudos que temos feito é que (…) as infecções respiratórias nessas populações têm tido uma disseminação muito rápida”.

O especialista ainda destaca que os problemas de acesso vão muito além, visto que também são geográficos. Afinal, essa “(…) questão está estreitamente associada às possibilidades de acesso aos territórios tradicionais e aos recursos lá disponíveis. Também se vincula à proximidade dos centros urbanos, ao grau de dependência em relação ao mercado regional e à disponibilidade de políticas públicas”.

O que isso significa?

O modelo social em que a maior parte dessa categoria foi forçada a se inserir obriga que alguns riscos sejam tomados por membros dessas comunidades, que podem contaminar seus conterrâneos durante a realização de atividades consideradas essenciais. Portanto, a aplicação de vacinas não deve ser considerada urgente apenas para os indivíduos que vivem em terras demarcadas, como direciona o Ministério da Saúde no plano nacional de operacionalização da vacinação contra a Covid-19. Afinal, a disseminação de doenças nesses meios pode ser impulsionada por características locais.

Em sua conversa com o ISA, Andrey Moreira Cardoso reforça esse ponto e destaca a existência de inúmeros problemas estruturais nesses ambientes. Ele conta: “A indisponibilidade de água e de saneamento em muitas comunidades indígenas é extremamente preocupante nesse cenário. Os padrões de moradia de diversos povos indígenas, muitas vezes com grandes casas com elevado número de pessoas, pode facilitar o contato de uma pessoa infectada e outra não infectada e a transmissão do vírus”.

O especialista ainda chama a atenção para o estilo de vida desses grupos, que são essencialmente favoráveis ao espalhamento de enfermidades desse gênero. Segundo ele: “(…) esses são aspectos das culturas indígenas, centrais para seus modos de vida, que precisam ser respeitados e valorizados, cabendo especial atenção no contexto da pandemia”.

Como está sendo a postura do governo?

Em 19 de abril de 2021, a Câmara dos Deputados publicou um artigo em que descreve debates relacionados a priorização de indígenas que vivem em áreas urbanas nas filas de vacinação. No material, Joenia Wapichana (REDE) apresentou avaliações que mostravam a necessidade de medidas mais eficientes visto que, até aquele momento, haviam sido “(…) contabilizados 52.494 casos confirmados, com 1039 indígenas mortos e 163 povos afetados pela Covid-19, segundo dados do Comitê Nacional de Vida e Memória indígena”.

Apesar disso, o cenário ainda não melhorou. Informações publicadas pelo Ministério da Saúde mostram que, apesar dessas etnias serem o terceiro grupo prioritário no plano nacional de operacionalização da vacinação contra a Covid-19, apenas 1,02% receberam as duas doses dos imunizantes.

A seguir, confira a lista das dez classes mais beneficiadas pelas duas aplicações:

  • 20,9% são trabalhadores da área da saúde;
  • 17,2% são pessoas entre 70 e 74 anos;
  • 15,3% são pessoas entre 65 e 69 anos;
  • 14,2% são pessoas com mais de 80 anos;
  • 12% são pessoas entre 75 e 79 anos;
  • 5,2% são pessoas entre 60 e 64 anos;
  • 1,7% são pessoas com mais de 60 anos institucionalizadas;
  • 1,02% são indígenas;
  • 1,01% são trabalhadores da educação de nível básico;
  • 0,8% são pessoas com comorbidades.

Em maio desse ano, grandes portais da imprensa brasileira noticiavam a mudança de abordagem adotada pelo Ministério da Saúde, que passou a encarregar a vacinação de indígenas que vivem em áreas urbanas às secretarias estaduais e municipais de saúde. No entanto, a aplicação prática dessa idealização vem sendo extremamente falha.

Em entrevista à TV Globo, Fortunato João de Souza falou sobre a impaciência relacionada a esse atraso. Mesmo sendo o indivíduo mais velho da etnia Atikum, preferiu não esperar as doses direcionadas à sua comunidade. Ele disse: “(…) eu vacinei porque chegou a época de 79 anos, aí eu disse: ‘eu não vou esperar porque esse coronavírus não espera por problema de ninguém’. Mas nós ficamos no esquecimento”.

No final de abril, um levantamento do Globo embasado na pesquisa “planos de vacinação nos estados e capitais do Brasil”, desenvolvido pelo Observatório Direitos Humanos Crise e Covid-19, apontou que nove estados ainda não haviam colocado um único grupo (entre população ribeirinha, quilombolas e em situação de rua) entre os prioritários para receber os imunizantes contra o coronavírus.

O resultado desse descaso pode ser acompanhado através do portal da entidade, que apresenta um contador assustador de mortes em tempo real de alguns desses grupos. Segundo o levantamento, até o dia 24 de junho de 2021, momento em que esse material está sendo revisado, 1121 indígenas e 282 quilombolas perderam a vida para a Covid-19.