Atividade pode ser um recurso para escapar de eventos climáticos nesses locais

Um artigo publicado em janeiro de 2021 na revista Ecology apresentou dados singulares sobre os hábitos de algumas onças-pintadas amazonenses. Segundo as informações, coletadas por pesquisadores brasileiros, os felinos podem passar até um terço do ano em cima de árvores. Isso é facilitado por alguns fatores exclusivos de animais dessas áreas, como:

  • O porte, menor que média da espécie no pantanal;
  • A alimentação, que ocorre, consequentemente, em menor escala;
  • A reprodução, que se adapta ao clima.

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Qual a origem do estudo?

Todo o processo foi realizado na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (RDSM), a primeira do ramo no Brasil. Ao todo, são mais de 11 mil quilômetros quadrados dispostos na região de Tefé, cidade à 522 quilômetros de Manaus. O espaço busca promover tanto trabalhos científicos quanto atividades de moradores locais, que exploram os recursos naturais da área a partir de planos de manejo consciente.

A proposta deu certo, uma vez que foi graças aos contatos da população que os pesquisadores do Instituto de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá (IDSM) descobriram esses hábitos. Para que essa rotina fosse catalogada, diversos felinos foram capturados e, em seguida, soltos utilizando uma coleira de monitoramento.

O material final compilava as informações de oito onças-pintadas, tanto machos quanto fêmeas, durante a época de cheias. Dessa forma, foi possível registrar, pela primeira vez na história, ações dessa categoria praticadas por bichos desse porte.

Por que isso ocorre?

Imagem de onça deitada em galho de árvore
Imagem de Viajar Verde

Todos os anos a região da RDSM sofre com uma temporada em que a média de chuvas é elevada, resultando em longos períodos de cheias por conta da ampliação das margens do rio Amazonas. Esse processo dura por volta de quatro meses, com inundações que podem atingir até sete metros de profundidade. Foi durante esses momentos que as atividades foram detectadas.

O biólogo Emiliano Ramalho, diretor técnico-científico do IDSM e um dos autores do artigo, explicou um pouco sobre essa prática. Em entrevista à Folha de Pernambuco, em abril desse ano, ele disse: “Uma área inteiramente de várzea como Mamirauá, com florestas que alagam todos os anos, é um ambiente peculiar, e os animais que vivem ali têm de ser adaptáveis, assim como as pessoas”.

Darwin explica…

A declaração de Emiliano Ramalho possui a flexão de um verbo essencial para compreender esse fenômeno, que é “adaptar”. Desde que Charles Darwin revolucionou os estudos da biologia com a publicação de sua principal obra, em 1859, essa palavra passou explicar muitos hábitos e características de diversos bichos ao redor do mundo.

No caso das onças-pintadas amazônicas, muitos desses pontos puderam ser percebidos e, consequentemente, foram apresentados no documento exposto pela revista Ecology. A começar pelo porte desses animais, que pode ser até 50% menor que indivíduos da mesma espécie encontrados no pantanal.

Em números mais diretos, esses dados mostram uma perda significativa de peso. Enquanto esses bichos podem chegar a, aproximadamente, 120 quilos na região centro-oeste do país, no Noroeste essa média cai para 60 quilos. Isso se deve, justamente, à situação de sobrevivência em cada um desses locais, visto que rotinas arborícolas são mais vantajosas conforme cada realidade.

A dieta também se molda conforme as particularidades desses espaços. Macacos, bichos-preguiças e outros seres desse tipo são as principais refeições desses felinos enquanto estão no topo das árvores. É possível que o peso desses predadores também esteja relacionado a essa alimentação, visto que suas presas não são animais grandes.

Por fim, a reprodução é outro fator extremamente exótico. Conforme os dados coletados pelo grupo de pesquisa, nenhuma fêmea dessa espécie abandonou a região durante os períodos de alagamentos. Dessa forma, todo esse processo ocorre em cima das árvores, porém, o período de gestação se mantém o mesmo, de cerca de três meses e meio.

Os resultados dos projetos

A soma dos dois programas auxiliou na construção de um aumento significativo no número de indivíduos dessa espécie. Isso pode ser percebido analisando a média do setor amazônico como um todo. Pesquisas apontam que dois a quatro felinos dessa categoria podem ser encontrados a cada 100 quilômetros quadrados desse ecossistema. Por outro lado, dentro da RDSM essa estimativa sobe para dez.

Mesmo em uma escala reduzida, esses números mostram um aumento considerável. Porém, em uma ótica mais ampla, esses dados são ainda mais promissores. Segundo o Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção, do Instituo Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), as onças-pintadas estão classificadas como “vulneráveis”, rótulo que tende a piorar. Dessa forma, essa melhora discreta representa algo positivo, mesmo à curto prazo.

O que isso significa para a Amazônia?

A região tende a perceber essa recuperação com mais afinco a longo prazo. Segundo informações do Ministério do Meio Ambiente, 55 mil animais dessa espécie viviam no Brasil até 2019, sendo 40 mil na Amazônia. Porém, tanto a caça quanto os sistemas viários se unem aos incêndios para reduzir esse número de forma contundente.

Em entrevista ao G1, Rogério Fonseca, coordenador do programa de pós-graduação em ciências florestais e ambientais da Universidade Federal do Amazonas (UFAm), falou sobre o assunto. Ele disse: “(…) as queimadas estão afetando as onças, e isso se deve à falta de um planejamento preventivo dos incêndios florestais na região. Não basta apenas combater, é necessário que haja um controle e um planejamento para evitar que incêndios florestais aconteçam”.

Dados fornecidos pela World Wide Fund for Nature (WWF) mostraram que nesses ataques, intensificados desde 2018, mais de 500 indivíduos dessa espécie foram afetados. Por isso, atividades de conservação promovidas por entidades privadas ou não governamentais são essenciais para fortalecer essa luta, que está longe de acabar.