Pandemia ajuda a intensificar os problemas econômicos nesses locais

Um boletim divulgado pelo Serviço Geológico do Brasil apontou que as cheias de 2021 tendem a ser as maiores dos últimos anos. Segundo o levantamento, existe a possibilidade de que os rios atinjam seus maiores níveis desde 2012, ano da máxima histórico, medida desde 1902.

Diversos locais continuam a registrar números alarmantes, que geram receio em relação à intensificação da crise causada pelo coronavírus. Entre esses lugares, estão:

  • Manacapuru, em que o rio Solimões já está acima do previsto
  • Itacoatiara, em que o rio Amazonas já está acima do previsto
  • Porto de Manaus, em que o rio Negro pode atingir sua cota máxima até o fim do ano

Dessa forma, a aplicação de serviços básicos à população ribeirinha tem ficado cada vez mais complexa e, consequentemente, tem gerado inúmeros efeitos negativos nessas comunidades.

Quer entender melhor essa situação? Continue no nosso artigo.

O aumento da fome amazonense

Dados publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados em setembro de 2020, voltaram a colocar o Brasil no mapa da fome. Segundo as informações, referentes ao período entre junho de 2017 e julho 2018, cerca de 10,3 milhões de brasileiros não possuíam acesso regular a alimentação. E a região amazonense não é uma exceção.

O biólogo inglês Daniel Tregidgo, funcionário do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (ISDM), promoveu uma pesquisa junto a membros da Universidade Federal de Lavras (UFLa), da Universidade Federal do Pará (UFPA) e da Universidade de Lancaster para entender essa condição de forma mais direcionada.

A equipe percorreu mais de mil quilómetros ao longo do rio Purus, em seis meses, para visitar 331 famílias ribeirinhas em 22 comunidades. O levantamento apresentou dados assustadores sobre a situação dos cidadãos locais, que tem comido em menor quantidade e com menos frequência que em outros períodos.

Os números apontaram que 85% dessas famílias precisaram substituir o peixe ou a carne, pelo menos uma vez, em 30 dias. Além disso, 65% comeram menos do que gostariam nesse intervalo. Por fim, o estudo mostrou que 33% dessas pessoas não puderam realizar todas as suas refeições durante um dia, e 17% não comeram nada, ao menos uma vez, por 24 horas.

Ao contrário do que acontece no Nordeste, por exemplo, as cheias são extremamente responsáveis por esse período de dificuldade. Na mesma pesquisa comandada por Daniel Tregidgo, foi constatado que uma elevação de 15 metros no nível do rio Purus é suficiente para promover resultados catastróficos nas camadas sociais e econômicas dessas comunidades.

Segundo a publicação, esse volume resulta em uma captura de peixes 73% menor em relação aos períodos de seca. Isso representa um esforço três vezes maior para capturar a quantidade de animais necessários para a sobrevivência do local. Quando o resultado da pesca não é o suficiente, a população opta por caçar animais silvestres para saciar suas necessidades. Seres como antas, patos e macacos são as principais opções nesses casos.

Principais áreas atingidas

imagem de barcos a beira de rio

De acordo com a Defesa Civil, até o dia 26 de março desse ano quase 98 mil pessoas foram diretamente atingidas pelas cheias, apenas nas calhas dos rios Juruá e Perus. Além disso, até aquele momento, os seguintes municípios estavam em situação de emergência:

  • Na calha do rio Juruá, os municípios de Carauari, Eirunepé, Envira, Guajará, Ipixuna, Itamarati e Juruá.
  • Na calha do rio Purus, os municípios de Boca do Acre, Canutama, Lábrea, Pauini e Tapauá.

Em Boca do Acre, segundo dados também da Defesa Civil, as cheias causaram a inundação de 90% da cidade. O acesso foi comprometido ao ponto que o fornecimento de água potável foi suspenso, afetando mais de seis mil pessoas em toda a região.

Além disso, a pandemia

Não bastasse enfrentar os problemas causados pela falta de infraestrutura, os ribeirinhos ainda precisam lidar, assim como o resto do mundo, com a pandemia de COVID-19. A soma desses dois fatores resultou em perdas significativas para diversos pilares das comunidades.

Em uma reportagem especial, o UOL apresentou o relato da professora Zeneide de Melo, de 43 anos. A docente dava aulas para turmas do quinto ano do ensino fundamental, na região sul do Amazonas. Porém, viu suas carteiras serem carregadas pelo rio Aripuanã no período de cheias, e ainda precisou lidar com o afastamento dos alunos durante a pandemia. Sem ter onde morar, passou a viver nos fundos da escola com seu marido.

Visando manter as crianças próximas dos ambientes educacionais, ela visitou cada um dos pais de seus alunos para incentivar os garotos e garotas a não abandonarem seus estudos. A tarefa era ainda mais complicada pela falta de instrução das próprias famílias visto que, em alguns casos, apenas os mais novos eram alfabetizados.

Em um âmbito mais geral, a história de Zeneide de Melo é apenas mais uma adversidade a ser resolvida por entidades governamentais, que sequer conseguem lidar com o descontrole no sistema de saúde local. Até janeiro desse ano, 57% dos casos de COVID-19 foram diagnosticados no interior do estado.

Ao todo, sem contar as subnotificações, foram mais de 270 mil pessoas infectadas e mais de 10 mil vítimas fatais. O agravamento se intensifica à medida que o transporte de suprimentos se torna cada vez mais restrito. Em entrevista ao UOL, Raylton dos Santos, do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (IDeSAm) falou sobre essa escassez, alegando que as medidas de prevenção podem prejudicar esses pontos.

Ele disse: “Com a pandemia, o acesso à cidade ficou ainda mais restrito, e alguns barcos que levavam alimentos deixaram de fazer esse fluxo de viagem”. Dessa forma, fica ainda mais evidente o quanto o trabalho de organizações independentes se torna necessário em um momento tão áspero. Além de fiscalizar entidades estatais, é preciso garantir que, mesmo sem elas, o povo amazonense receba a ajuda que precisa, antes, durante ou depois da pandemia.