A internet é um oceano infinito de serviços e comércio. Qualquer coisa é vendida ou negociada em sites, aplicativos e nas redes sociais. Lá, você encontra até mesmo lotes de terras protegidas da Amazônia. Foi o que descobriu uma reportagem da BBC.

A ousadia dos criminosos ambientais junto com a falta de fiscalização é o maior facilitador do comércio ilegal de áreas da floresta tropical. O esquema é o seguinte: grileiros invadem as terras, desmatam e depois anunciam a venda no Facebook. Há dezenas de anúncios na plataforma à espera de um comprador.

Por meio da rede social, vendedores negociam pedaços da floresta ou áreas recém-desmatadas por valores consideráveis. A maior parte dos lotes é vendida por milhões de reais.

Não há limite para os comerciantes de terras ilegais. Eles vendem até mesmo dentro de unidades de conservação e de terras indígenas. Sem nenhum tipo de punição ou com punições brandas, os criminosos fazem a “festa” comercializando áreas que são proibidas e que deveriam ser protegidas por órgãos governamentais. Nada é escondido, mas está apenas a um clique de distância de quem deseja barganhar terras de qualidade na Amazônia.

Amazônia à venda

As áreas de domínio público deveriam apenas servir exclusivamente aos povos tradicionais, mas o que a investigação mostrou foi uma Amazônia loteada e à venda. Isso já acontecia mesmo antes da internet e das redes sociais, mais essas ferramentas tornaram o processo mais prático e mais eficiente.

Em um Brasil onde as autoridades não estão preocupadas com a saúde da floresta, grileiros encontram um terreno fértil para desmatar, traficar ou matar animais e expulsar a população tradicional. Tudo isso visando exclusivamente o lucro.

A omissão do governo ajuda a aquecer o mercado ilegal de terras na Amazônia. A cada ano grileiros invadem floresta adentro sem nenhuma cerimônia e sem serem incomodados. Índios denunciam o fato, mas são ignorados enquanto perdem as suas terras.

O esquema vai além das invasões. Antes de comercializarem as áreas, os grileiros certificam-se de que nada vai dar errado e tornam o ilegal em legal da noite para o dia. Acontece da seguinte maneira: grupos organizados de grileiros abrem uma associação com CNPJ, contratam advogados e, por meio de relações políticas, pressionam órgãos públicos a lhes conceder as áreas invadidas.

Para conseguirem o direito de comercializar as terras, muitos invasores usam o Cadastro Ambiental Rural (CAR) para reivindicar as áreas griladas. Essa é a maneira mais comum para dar aspecto de legalidade às transações de compra e venda. Porém, o CAR não é documento de direito à propriedade sobre uma área. O cadastro é auto declaratório, o que possibilita que qualquer pessoa registre uma área do território nacional como se fosse proprietário.

Segundo a lei ambiental, quem comercializa terras sem possuir títulos de propriedade pode ser enquadrado no crime de estelionato, podendo ser preso por até cinco anos.  Segundo advogados especialistas, os compradores podem perder as terras, tendo a posse invalidada pela Justiça. Eles também podem responder criminalmente por invasão de terras públicas.

Representantes do Facebook no Brasil afirmaram em nota que estão à disposição das autoridades para responderem o que for preciso.

Comércio e desmatamento

Para conseguirem comercializar as terras, os grileiros sabem bem quais estratégias devem usar. Os métodos têm como finalidade driblar a fiscalização e evitar multas.

Uma das maneiras encontradas é dificultar o acesso aos terrenos grilados, mantendo documentos em nome de terceiros. Com isso, impera a impunidade. E a venda de terras públicas da floresta pelo Facebook apenas revela o tamanho da impunidade. Infelizmente, nada ainda foi feito para por fim a prática criminosa.

Com as vendas a todo vapor, grileiros ficam cada vez mais fortes e conduzem os seus negócios sem serem incomodados. Se antes das redes sociais, as vendas já eram lucrativas, agora, com o alcance irrestrito dos anúncios, tudo ficou ainda mais fácil. Isso coloca a floresta em maior perigo, agravando o desmatamento na Amazônia, em alta desde 2019.

Só para se ter uma ideia, entre os meses de agosto de 2019 e julho de 2020, a floresta perdeu 11.088 Km², o maior índice desde 2008. É crime desmatar floresta sem autorização. A pena chega até quatro anos de prisão e multa.

Entre os estados que mais têm terras ilegais negociadas nas redes sociais está Rondônia. São muitos anúncios do tipo no Facebook. De 1980 até aqui, o estado já perdeu cerca de um terço de suas matas nativas.

Durante a investigação foram identificadas terras indígenas à venda em Rondônia e Amazonas. São elas:

  • Uru Eu Wau Wau (RO);
  • Duas áreas na Floresta Nacional do Aripuanã (AM);
  • Reserva Extrativista Angelim (RO).

Na maior parte das vezes, as áreas ilegais são utilizadas para pecuária e agricultura.

Expansão da agropecuária

A agropecuária é um dos principais motivos para o desmate da floresta amazônica. Cada vez mais, pastos são abertos enquanto a floresta morre.

Durante sua investigação, a BBC descobriu que duas áreas colocadas à venda na Floresta Nacional do Aripuanã têm sido bastante procuradas por empresários do setor. As duas somam 1.660 hectares (o equivalente 1.660 campos de futebol) e custam cerca de R$ 3,2 milhões no total.

A venda ilegal no Facebook é muito fácil de ser negociada. Os lotes citados em Aripuanã foram anunciados na plataforma por um corretor de Porto Velho, que tem um escritório no centro da cidade.

Além de desmatarem, os grileiros também vendem áreas para serem desmatadas pelos novos “proprietários”. É o que promete o anúncio encontrado no Facebook. Segundo o anunciante, o lote possui uma área de 21 alqueires (57 campos de futebol). A localidade está conservada e de acordo com o anúncio, com toda madeira ainda para tirar. O local fica no município de Buritis (RO), por R$ 126 mil.

As terras são indígenas e habitadas por 209 índios, que foram contabilizados. Segundo dados do governo, a área possui cinco grupos isolados. O número real de habitantes é desconhecido.

Ao desmatarem a floresta, os grileiros não colocam em risco apenas a floresta, mas a toda humanidade. O governo precisa acabar com a prática criminosa, a fim de preservar vidas.