Fenômeno diminui a temperatura média da Terra e pode alterar o mercado de pescados na América do Sul

Vindo na contramão de 2020, que registrou o mês de janeiro mais quente da história, o La Ninã deve diminuir a temperatura média do globo, evitando novos recordes de calor. O fenômeno ocorre a partir do fortalecimento de zonas de alta pressão subtropicais que, consequentemente, aumentam a intensidade dos ventos. A partir disso, massas de água aquecidas são movidas em direção às Filipinas, permitindo que as águas mais profundas subam e resfriem a atmosfera.

Entre os países que sentem essas mudanças mais rápido estão:

  • Chile;
  • Equador;

Desse modo, os territórios banhados pelo Oceano Pacífico recebem menos chuvas, uma vez que a dispersão de nuvens nesses locais ocorre com maior intensidade. A soma desses fatores pode refletir economicamente em atividades costeiras, além de impactar diversas partes da Oceania.

Na Costa Oeste da América do Sul

Ao permitir que águas mais profundas subam, o La Niña aumenta a concentração de nutrientes e fitoplânctons na superfície. Sendo esses pontos essenciais para o desenvolvimento da vida marinha, atividades como a pesca se tornam ainda mais produtivas em regiões afetadas por esse acontecimento, que é chamado por cientistas de “ressurgência”.

A ressurgência beneficia tanto a pesca industrial quanto a artesanal, mercados fundamentais nas economias do Chile e do Peru. Um levantamento feito pela Organização das Nações Unidas (ONU) apontou um crescimento de 5,4% dessa operação em 2018, resultando em 96,4 milhões de toneladas de animais capturados.

Esse mesmo estudo indica que esses dois países foram os principais responsáveis por essa mudança, decorrente da pesca de anchovetas em suas costas. No caso dos peruanos, a exportação da farinha produzida com esse peixe movimentou mais de 1,6 bilhões de dólares nesse meio.

Apesar disso, a irresponsabilidade ecológica pode causar um declínio marcante para esses dois países. Um monitoramento nos estoques pesqueiros desses locais indicou que a vida marinha “biologicamente sustentável” regrediu de 90%, em 1974, para 65,8% em 2017. Grande parte dessa queda se deve ao fato de os governos terem afrouxado algumas políticas ambientais.

Por isso, visando diminuir os impactos negativos na natureza, a World Wide Fund for Nature (WWF) estreou, em 2018, uma campanha pelo consumo consciente. A ideia é ensinar as populações da Argentina, Brasil, Chile, Equador e Peru a manter um hábito menos predatório nesse segmento.

No Brasil

Por possuir dimensões continentais, o Brasil deve perceber os reflexos do La Niña de maneiras distintas a depender da região. No Norte e no Nordeste, por exemplo, a tendência é que as temporadas de chuvas sejam ainda mais intensas, resultando em maiores cheias nos rios e enchentes mais expressivas nos litorais. Na Bahia, Maranhão, Piauí e Tocantins deve haver uma alta na temperatura média.

Entre 2010 e 2012, os últimos anos em que se teve registro desse evento, alguns fatores influenciaram diversos setores da economia. No Sul, por conta do baixo nível das chuvas, a produção de cana-de-açúcar operou em queda. O resultado foi a diminuição dessas safras que, consequentemente, elevou o valor do etanol, produzido a partir dessa matéria-prima.

A união desses acontecimentos com o aumento da necessidade de consumo de combustível, além da necessidade de exportação dessa substância, criou impactos significativos na economia do país.

Em Goiás, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, o aquecimento das águas do Oceano Pacífico deve se converter em um menor volume de chuva. Porém, conforme dados do Instituto Nacional de Meteorologia (INMet), as possibilidades de temporais nessas regiões não são nulas.

Na Austrália

Apesar de estar do outro lado do globo, a Austrália também tem seu clima alterado pelas atividades do La Niña. Os ventos, que tiram as chuvas de algumas regiões da América do Sul, levam as mesmas para os quase 25 milhões de habitantes do maior país da Oceania. Essa alta pode contribuir com a redução de queimadas, muito comuns por conta do clima frequentemente árido do local.

Nos Estados Unidos

Mesmo possuindo sistemas agrícolas modernos e eficientes, os Estados Unidos sentiram no bolso a força desse fenômeno. A produção de trigo, uma das cinco maiores do mundo, teve prejuízos por conta das secas causadas pelo La Niña.

Apesar disso, conforme apontaram levantamentos feitos pela Companhia Nacional de Abastecimento (CoNAb) com dados do United States Department of Agriculture (USDA), os estadunidenses permanecem estáveis nesse mercado, com mais de 52 milhões de toneladas produzidas entre 2019 e 2020.

La Niña fake

Filipe Pungirum, um dos analistas de tempo da empresa Climatempo, acredita na possibilidade de um fenômeno mais discreto. Conforme relatou o portal Terra, o meteorologista afirma: “(…) será como termos uma La Niña fake”. A hipótese pode parecer confusa, mas é explicável.

Apesar das medições apontarem que há probabilidade dessas atividades se manterem moderadas ou fortes durante o ano de 2021, pode não haver uma influência considerável nas precipitações de verão. Isso aconteceria porque, conforme análises de Filipi Pungirum, as Zonas de Convergência Intertropical (ZCIt), que levam as chuvas para o Norte e Nordeste do país, não poderiam se estabelecer em suas localizações normais.

Ele diz: “(…) durante quase todo o verão 2020 e 2021, o calor excessivo da porção norte do Atlântico Norte vai fazer com que a ZCIt se posicione, em média, ao norte de sua posição média normal. Isto vai desfavorecer a chuva no verão na porção norte das Regiões Norte e Nordeste do Brasil”.

Patricia Madeira, companheira de trabalho de Filipi Pungirum na Climatempo, considera que algumas convergências de umidade vindas do Norte para o Sudeste podem alterar o clima da primeira estação do ano. Ela diz: “Vamos ter chuva, mas a maior parte das pancadas vai ter caráter isolado e passageiro”.

Picos e fim da atividade

A National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA) estima que o desvio de temperatura do La Niña não atinja -1,5ºC entre janeiro e fevereiro de 2021. Porém, essa mudança é suficiente para que a atividade seja considerada a terceira mais intensa dos últimos 20 anos.

Os primeiros efeitos do fim desse fenômeno estão previstos para maio de 2021. Nesse período, a primeira onda de frio com potenciais geadas podem aparecer na região Sul e em partes de São Paulo.