Reflexos ambientais podem ser percebidos até 150 quilômetros dentro do Oceano Atlântico

Cientistas brasileiros estimam que a região amazônica abriga o maior rio subterrâneo do mundo. A teoria partiu de pesquisas realizadas pela professora doutora Elizabeth Tavares Pimentel para uma de suas pós-graduações na Universidade Federal do Amazonas (UFAM), em 2010. Segundo o trabalho, algumas das características desse curso de água são (em medidas aproximadas):

  • 6 mil quilômetros de comprimento;
  • 1 a 60 quilômetros de largura;
  • 2 a 4 mil metros abaixo da superfície.

Todos esses números são voláteis e se alteraram conforme cada território analisado. De qualquer forma, apresentam uma descoberta gigante que aumenta, ainda mais, os potenciais econômicos dessa área, realçando a necessidade da continuação e melhora de políticas ambientais nacionais.

A pesquisa

O estudo foi orientado pelo professor doutor Valiya Mannathal Hamza, um geofísico indiano que dedicou anos de sua jornada acadêmica a região norte do país. Juntos, os dois analisaram 241 perfurações feitas pela Petrobras entre os anos 1970 e 1980, buscando fazer medições de temperatura nos locais.

Após constatarem uma diferença de 5ºC entre algumas camadas, a hipótese começou a ser investigada. Em uma conversa com o Portal Amazônia, Elizabeth Pimentel explicou essa fase: “(…) me dediquei a desenvolver vários modelos para explicar porque isso acontecia. Foi então que chegamos ao modelo de circulação de fluídos. Este foi o que melhor explicou os dados e, a partir daí, constatei que havia um fluxo de água constante na vertical (…)”.

Após a confirmação, Valiya Hamza esclareceu como sua equipe concluiu que se tratava de um rio, e não um aquífero. Ao G1, ele disse: “Não é um aquífero, que é uma reserva de água sem movimentação. Nós percebemos movimentação de água, ainda que lenta, pelos sedimentos”.

A detecção de deslocamento nessas águas fez toda a diferença para a compreensão desse fenômeno. Porém, por precisar fluir entre terra e rochas, sua velocidade é bem mais baixa que a de correntezas na superfície, atingindo 218 metros por ano. Enquanto isso, o rio Amazonas, que percorre toda sua extensão, alcança cinco metros por segundo.

Apesar disso, o volume de água dissipado por segundo é maior que o do rio São Francisco, que nasce em Minas Gerais e também deságua no Oceano Atlântico. Ao todo são 3,1 mil m³/s contra 2,7 mil m³/s do rio mineiro. Ambos são considerados grandes apesar de, juntos, não atingirem um décimo dos 133 m³/s do rio Amazonas.

De qualquer forma, as proporções dessa corrente aquífera são colossais mesmo estando nessas condições. As margens do rio Hamza, em alguns pontos, podem atingir 400 km de distância. Essa medida é equivalente a um trajeto entre São Paulo e Rio de Janeiro, e quase duas vezes maior que um entre Pernambuco e Maceió.

Conhecimento popular

Apesar da pesquisa apresentar algo inédito para a academia, algumas populações não foram surpreendidas pelo fato. Muitos vilarejos na Cordilheira dos Andes cavavam poços artesanais para buscar água e, consequentemente, se supriam através do rio Hamza. Porém, por ele seguir o mesmo fluxo do rio Amazonas, muitos consideravam que os dois eram uma unidade.

Naquela mesma conversa com o G1, Valiya Hamza afirma: “Essa linha de água permanece subterrânea desde sua nascente, só que não tão distante da superfície. Tanto que temos relatos de povoados daquele país, instalados na região de Cuzco, que utilizam este rio para agricultura. Eles sabem desse fluxo debaixo de terrenos áridos e por isso fazem escavações para poços ou mesmo para plantações”.

O mar sente

A quantidade de água é tão grande que reflexos ambientais podem ser percebidos mar adentro. Conforme apuraram os cientistas, a salinidade do Oceano Atlântico é mais baixa a até 150 km da foz do rio. Essa mudança permite que a biodiversidade da água doce viva em ambientes que, teoricamente, não fazem parte de seu habitat natural.

A utilidade pública

Apesar dessa preciosidade ter potencial para abastecer diversas áreas do Brasil, ainda não existe uma maneira viável de se fazer proveito disso. Na entrevista para o Portal Amazônia, Elizabeth Pimentel afirma que o rio Hamza deve ser observado como um “reservatório para o futuro”.

Ela diz: “Essa descoberta é, na verdade, mais um reservatório de água em subsuperfície na região Amazônica, que deságua lentamente no Oceano Atlântico. No entanto, devido à grande profundidade em que se encontra, não é possível sua captação neste momento. Porém, se houver necessidade, com certeza será desenvolvida uma tecnologia para sua extração, beneficiando toda sociedade”.

Mesmo a retirada sendo um grande obstáculo, técnicas de purificação podem ser aplicadas para tornar o rio Hamza potável. Entre os métodos mais populares e eficazes, vale destacar o processo da empresa estadunidense P&G. Nele, um pó especial é despejado dentro de um recipiente com água e, através de diversas reações químicas, o líquido é limpo. No Brasil, os sachês com esse produto são distribuídos desde 2014 e auxiliam mais de 38 mil pessoas.

Entretanto, falta incentivo político. Em entrevista à Folha do Meio Ambiente, Valiya Hamza salienta que o Brasil tem capacidade técnica, mas precisa de investimentos em projetos científicos. Ele diz: “É fundamental que essas pesquisas sejam comandadas por brasileiros. O custo da pesquisa de campo é relativamente modesto, porque o país já possui base de dados no Observatório Nacional, da pesquisa da Petrobras (…)”.

As contrapartidas científicas

Apesar dos diversos dados coletados por Elizabeth Pimentel e Valiya Hamza, parte da comunidade científica não aceita as teorias apresentadas pela dupla. Muitos apontam que o fenômeno se trata, na verdade, de um aquífero que, como citado anteriormente, é uma reserva de água sem movimentação. Essa vertente de pesquisadores sugere que as descobertas são infundadas e discordam quanto a existência de uma nascente e de uma foz para o rio.

Entretanto, Elizabeth Pimentel se protege nas análises feitas ao longo dos anos e destaca a invalidez de alguns argumentos. Ao Portal Amazônia, ela disse: “Sobre isso, me lembro de alguns geólogos não concordarem ou não aceitarem minha teoria. Ocorre que, até hoje, não recebi nenhuma contestação com base científica. Ao contrário disso, meus resultados foram obtidos a partir de dados reais, e analisados através de método científico, ou seja, o método geotérmico. Portanto, não foi uma invenção sem fundamento e sim baseada em dados científicos”.