Um levantamento do projeto Cortina de Fumaça apontou que 72% dos focos de calor nas quatro maiores áreas críticas da Amazônia em 2019, são de responsabilidade de propriedades de médio e grande porte. Durante os estudos foram cruzados dados oficiais de desmatamento e queimadas, monitorados pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), com as declarações dos proprietários rurais sobrea área de seus imóveis no Cadastro Ambiental Rural (CAR).

O que são focos de calor?

São qualquer temperatura acima de 47°C registrada pelos satélites de monitoramento. Mas isso não significa que são foco de fogo ou incêndio. De acordo com dados do Cortina de Fumaça e do Inpe, foram registrados 89 mil focos de calor na Amazônia, no período de janeiro a dezembro de 2019. Isso representa 30% a mais do que no ano anterior. Já entre os meses de maio e julho de 2020, o aumento foi de 23% nos focos em comparação ao mesmo período do ano passado. Os maiores índices foram constatados em junho. As áreas críticas englobam quatro municípios líderes em fogo e desmatamento em 2019:
  • Altamira e São Félix do Xingu, no Pará;
  • Porto Velho, em Rondônia;
  • Lábrea, no Amazonas.
Segundo a pesquisadora nas Universidades de Oxford e Lancaster, a bióloga brasileira Erika Berenguer explica que nos últimos dois anos o desmatamento e queimadas acontecem de maneira associada na Amazônia. A bióloga explica o seguinte: “O fogo é a etapa final do desmatamento, porque transforma em cinzas a floresta, já que não há como colocar boi ou plantar grãos com árvores caídas no chão”. No primeiro semestre deste ano, cerca de 60% dos focos aconteceram em propriedades rurais. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), 50% ocorreram em fazendas de médio e grande porte e 10% em pequenas propriedades. Já as terras indígenas correspondem a 12% dos focos de calor. Os dados foram divulgados em agosto deste ano e vão de encontro ao discurso de Bolsonaro na ONU, onde disse que “índios e caboclos” são os responsáveis pelas queimadas na Amazônia Legal.

Manejo agropecuário 

De acordo com informações do IPAM, o fogo de manejo agropecuário é o mais comum na Amazônia desde 2016. Entretanto, os focos de calor registrados em áreas recém-desmatadas e os incêndios florestais cresceram. Isso confirma a relação das queimadas ao desmatamento. Para o cientista sênior do IPAM, Paulo Moutinho, é importante que o governo siga as orientações dos estudos científicos a fim de combater os crimes florestais. Moutinho explica que há previsões sendo feitas em relação ao desmatamento e queimadas na região que precisam ser consideradas pelos órgãos governamentais. “Se o governo continuar ignorando os dados, continuaremos a assistir esses eventos de desmatamento e fogo nos próximos anos, durante o período seco na região”, disse Moutinho. O Instituto Amazon aponta dois motivos que colaboram para o desmatamento ilegal. São eles o estímulo que vem do mercado e o enfraquecimento das fiscalizações e aplicação da penalidade. Esses dois fatores são fundamentais para o aumento da devastação da floresta amazônica. As sucessivas declarações e decretos a favor de pecuaristas também contribuem para o crime ambiental.

Brasil perdeu 8,34% de sua vegetação natural

Nos últimos 18 anos, o Brasil perdeu 8,34% de sua vegetação natural. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)e foram levantados entre 2000 e 2018. Segundo a pesquisa, Amazônia e o Cerrado foram os mais prejudicados. Os biomas sofreram perdas e são as áreas mais devastadas em todo o país e convertidas em pastagem. O levantamento do IBGE tem como objetivo mensurar o capital natural do país para desenvolver indicadores ambientais. Esses dados serão incorporados ao cálculo do Produto Interno Bruto (PIB), que é a soma de todos os bens e serviços produzidos no país. No total, o Brasil perdeu 490 mil km² de vegetação naturaldurante o período analisado. A área é equivalente a mais de dez vezes toda a extensão territorial do estado do Rio de Janeiro e quase ao dobro de todo o território do estado de São Paulo. Mais de 86% da cobertura vegetal nativa devastada se concentrava na Amazônia (270 mil km²) e Cerrado (153 mil km²). O bioma pampa, encontrado na Região Sul do Brasil, também perdeu área vegetal nativa. Segundo o IBGE, foi o que mais perdeu nos últimos 18 anos. Foram mais de 16,1 mil km² devastados, representando 16,8% de toda a sua área.

Desaceleração

Na contramão da devastação, algumas áreas apresentaram desaceleração. O IBGE informou também que ao longo do período analisado, houve uma desaceleração nas perdas de algumas áreas naturais no país. A maior desaceleração ocorreu na Mata Atlântica e na Caatinga.
  • Mata Atlântica: Entre 2000 e 2010, a perda de 8.793 km². Já entre 2016 e 2018, houve uma redução significativa, com menos 577 km² devastados. De acordo com o IBGE, a Mata Atlântica sofreu pouca alteração. Além disso, observou-se alguma regeneração de sua vegetação natural, durante o período analisado.
  • Caatinga: Nos mesmos períodos, as perdas foram de 17.165 km² e de 1.604 km², respectivamente. Mais de 47% da área foi convertida em mosaicos de ocupação campestre. Ou seja, a vegetação nativa foi substituída por outros tipos. Também foi constatada a instalação de estabelecimentos rurais e sistemas agroflorestais.
O Pantanal também foi o bioma que menos perdeu área nativa. No total, foram cerca de 2,1 mil km² devastados. Isso representou apenas 1,6% de sua área, sendo o mais preservado entre todos os biomas brasileiros no período de 2000 a 2018.

Pastagem 

A maior parte dos territórios devastados tornaram-se áreas de pastagem. Ou seja, 43% da vegetação perdida passaram a ser usados como pastos para gados e outros animais. Os outros 94 mil km² (19%) são utilizados para plantio de grãos ou outras culturas. Apenas 3,6% de toda conversão do uso da terra que teve sua cobertura vegetal alterada foram usados para o cultivo de árvores, para coleta de madeira ou produção de papel e celulose. Isso demonstra como a atividade agropecuária prejudica as florestas brasileiras, principalmente a Amazônia Legal. Além disso, elas são mais interessantes financeiramente para quem comete crime ambiental.